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A paixão do saudoso Arnaldo Jabor pela Bahia

Publicado em: 04/08/2024
Por: Arnaldo Jabor
Atenção: Caso qualquer das fotos que ilustram essa matéria seja de sua autoria nos informe via WhatsApp (71) 9.9982-6764 para que possamos inserir o crédito ou retirar imediatamente.

Um dos maiores cineastas do Brasil de todos os tempos, um apaixonado pela Bahia, pela natureza exuberante dessa terra, por suas praias, sua cultura. Assim foi Arnaldo Jabor, que antes de partir para o andar de cima, escreveu esse lindo depoimento que conta um pouco de seu amor pela Bahia.

Não consigo ir embora da Bahia. Acabaram minhas férias e continuo aqui. Mesmo que eu viaje depois do Carnaval, levarei a Bahia comigo.
Não se trata de louvá-la; quero entendê-la, não com a cabeça, mas com o corpo, com as mãos, com o nariz, entender como um cego apalpa um objeto, entender por que este lugar é tão fortemente estruturado em sua aparente aspersão.
Aí, descubro que, ao contrário, a Bahia me ajuda a “me” entender.


Na Bahia, percebo que sou neurótico, obsessivo, sempre em dúvida, ansioso.
Gostaria de estar na Praia do Forte, quieto, dentro do mar, como um peixe, como parte da geografia e não fora dela.
Salvador não é uma “cidade partida” como é o Rio, nem a cidade que expele seus escravos, como São Paulo, que um dia será castigada, estrangulada por sua periferia. Aqui, de alguma forma misteriosa, todos são donos da cidade.
Uma cidade erótica e religiosa, plantada nos cinco sentidos, fluindo do corpo e da terra. Tudo se sincretiza, natureza e cultura. Amores fluem.
Os deuses não estão no Olimpo; são terrenos e florestais, estão na rua, no dendê, nas palmeiras.


Tenho uma espécie de inveja e saudade desta cultura integrada, dessa sociedade secreta que vejo nos olhares das pessoas falando entre si, uma língua muda que não entendo, tenho inveja da grande tribo popular que adivinho nos becos e ladeiras, das pessoas que riem e dançam nas beiras de calçada, que se amam na beira-mar, tenho inveja desta cultura calma que vive no “presente”, coisa que não temos mais nas “cidades partidas”, sem passado e com um futuro que não cessa de não chegar.
Nesta época maníaca, que se esvai sem repouso, aqui há o ritmo do prazer. A civilização que os escravos trouxeram criou esta “grande suavidade”, este mistério sem transcendência, este cotidiano sem ansiedade, esta alegria sem meta, esta felicidade sem pressa. Aqui a cultura vem antes da lei. A sinistra modernidade tenta adquirir a Bahia, possuí-la, apropriar-se das praias, das ilhas, dos panoramas.


Mas mesmo o progresso urbano e tecnológico aqui fica domado de certo modo pela cultura. E o moderno ganha uma aparência única. As festas do ano inteiro não são diversionistas, orgiásticas, para “divertir”, são para integrar….
Não é uma sociedade, mas um grande ritual em funcionamento.
O Brasil aflito, injusto, imundo, inóspito devia aspirar a ser Bahia.
Aqui dá para esquecer o jogo sujo do Congresso em Brasília, aqui você não morre afogado na enchente da marginal Tietê, nem o Ronaldinho é assaltado com revólver na cabeça.
Não conheço lugar mais naturalmente democrático.
E, por isso, não consigo ir embora.
Vou comprar uma camiseta “NO stress” e ficar bebendo água de coco e caipirinha para sempre.
E eu faço o que…..trabalhando diante de um visual desse???
(Arnaldo Jabor)

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